Existe na infância uma espécie de inteligência extraordinária
Uma reflexão sobre o pensamento inteligente das crianças
Tais Romero
Inspiradas nos territórios de aprendizagem do Jardín Fabulinus/Argentina, organizamos as nossas manhãs, com contextos que possibilitam as crianças, de 2 a 6 anos, um tempo para circularem pelos espaços, fazendo escolhas de onde querem brincar, o que querem fazer e com quem querem ficar. Poderíamos falar aqui de autonomia, da importância de formar crianças capazes de fazerem escolhas, tomarem decisões e serem responsáveis por elas. Entretanto dessa vez, queremos falar de um contexto específico e de uma observação feita no território dos sons. Para explicar melhor, acentuamos que os espaços são organizados com os seguintes territórios: simbólico, areia, das palavras, da construção, do origami e dos sons. No território do som estavam 2 meninos do primeiro ano e uma menina do Grupo 3. Todos experimentando os sons e brincando com os instrumentos.
O Felipe, 6 anos, que estava com o reco-reco disse: "Olha, faz o som do sapo". O Pedro, 6 anos, que estava com o prato disse: "Esse tem som da igreja" e batendo no bongô falou: "Esse tem o som da Índia".
A Mia, 3 anos que escutava a conversa, enquanto experimentava o triângulo, saiu para buscar um livro e voltou para mostrar aos meninos: “E esse, parece o coronavírus". Os territórios de aprendizagens são potentes, justamente, por essa possibilidade de troca entre crianças de idades diferentes. Entendemos essa troca como empréstimo de saberes entres elas. A Mia, 3 anos, que escutava a conversa, entendeu que os meninos estavam fazendo comparações entre os instrumentos e sons diversos e foi buscar uma imagem que ela já havia feito a comparação. A comparação é uma figura de linguagem sofisticada, trata-se de uma estratégia que o orador pode aplicar a sua fala para conseguir um determinado efeito na interpretação do ouvinte. Podem relacionar-se com aspectos semânticos, fonológicos ou sintáticos das palavras afetadas. Quando a Mia faz a relação entre o que viu e o que os meninos estavam falando, demonstra que ela está criando, testando e refinando as suas próprias ideias, espontâneas e originais, sobre o mundo que está começando a conhecer. Piaget, 1983, definiu a inteligência como mecanismo de fazer sentido, pelo qual uma pessoa organiza as suas experiências. Os meninos do primeiro ano e a Mia do Grupo 3, estavam brincando de experimentar os sons, estavam brincando com as figuras de linguagem, sem ainda saberem o que são as figuras de linguagem e isso, prova que o conhecimento não se organiza linearmente, a partir do mais fácil para o mais difícil, pelo contrário, o conhecimento se organiza a partir das relações das crianças entre elas, entre as experiências vividas e entre os contextos que fazem sentido.
Fotos: Escola HeiSei

