Professor(a), o que você olha, mas não vê?
O espaço da escola pode ser um lugar privilegiado para aprender uns com os outros, para se relacionar, para repensar a própria prática, para estudar, para se formar e transformar informação em conhecimento, pode ser assim, mas nem sempre este espaço é legitimado dessa forma. Muitas vezes acontece que as pessoas não se olham mais e quando se olham não se veem, não se conhecem, não se percebem. Nas palavras de Almeida (2012), a escola é um rico espaço para a formação de seus professores, embora haja outros espaços que devem ser articulados aos objetivos da formação.
Como assessora pedagógica tenho a oportunidade de conhecer realidades diferentes, e professores em contextos diferentes. Essa diversidade enriquece a minha prática e me

transforma como pessoa, cada vez que me encontro com um grupo para uma formação.
Um grupo em especial marcou a minha história como formadora e uma coordenadora mudou a história desse grupo.
Para cada encontro mensal eu recebia um tema que deveria ser abordado e estudado com a equipe pedagógica, não havia, portanto, uma construção a partir das vivências e experiências dos participantes, nem um espaço para aprofundamento e reflexão sobre a própria prática.
Em uma dessas demandas, recebi também a orientação para que eu "reparasse” em uma determinada coordenadora porque ela não tinha uma boa relação com os colegas, não interagia, não conversava e não era simpática. Ao olhar aquela coordenadora, eu tive a impressão que a vi pela primeira vez.
Observar é evidentemente registrar o que pode ser verificado. Mas, registrar e verificar é ainda analisar, é ordenar o real em fórmulas, é fazer-lhe perguntas. É a observação que permite levantar problemas, mas são os problemas levantados que tornam possível a observação. (WALLON, p.16)
Diferente das outras vezes, tomei a decisão de fazer algo que não estava na pauta planejada e aprovada pela direção. Pedi aos participantes que levassem para o próximo encontro uma apresentação, a consigna era: o que você gostaria que as pessoas soubessem sobre você e que ainda não sabem. "Como seres humanos necessitamos ser cuidados e cuidar. Cuidar de outra pessoa, no sentido mais significativo, é estar atento ao seu bem-estar, ajudá-la a crescer e atualizar-se, e para isso o outro é essencial. Envolve sentir com o outro”. (ALMEIDA, p. 42)
Todos fizeram a tarefa, todos participaram, todos tinham coisas para contar e falar e aos poucos foram se dando conta que não se conheciam, não sabiam quase nada um do outro, não se olhavam.
A coordenadora silenciosa que o grupo já havia excluído também se apresentou, se mostrou e pela primeira vez foi escutada por todos:
“Minha mãe era faxineira em uma escola particular, quando eu completei 10 anos, a dona da escola fez uma proposta para ela, me daria uma bolsa de estudos se eu ajudasse na limpeza.
Então, eu esperava os meus colegas irem embora para limpar o pátio, ninguém sabia que eu ajudava na limpeza, me escondia e enquanto eu limpava, comia os restos dos lanches jogados no chão, porque era a única maneira de comer coisas que em casa eu não tinha para comer.
Cresci me sentindo inferior a todas as pessoas que me rodeavam, me escondo porque sinto vergonha do meu peso, da minha imagem e não me sinto merecedora do cargo de coordenação”. (Simone - Coordenadora Pedagógica)
Neste momento, todos estavam muito emocionados, em silêncio foram abraçá-la e ali eu entendi que a formação dos professores precisa ser atravessada pelos afetos.
“Ao aceitar que a escola é o espaço para trabalhar o conhecimento, assumimos que as relações interpessoais, as relações eu-outro podem e devem estar comprometidas com o conhecimento e que, portanto, a escola deve ter um olhar especial para o fortalecimento dessas relações". (ALMEIDA, p.43)
A escola é feita de gente, de histórias, de marcas, de sonhos e o que acontece algumas vezes é que nos colocamos no modo automáticoe deixamos de ver, de sentir, de experimentar, de se emocionar e de aprender. Não existe aprendizagem sem emoção, assim como não existe vida na escola sem o outro, sem os outros, sem as “gentes”.
Referências:
ALMEIDA, Laurinda R. O Coordenador Pedagógico e a questão do cuidar. In. ALMEIDA, L. R.; PLACCO, V. M. N de S. O coordenador pedagógico e questões da contemporaneidade. São Paulo. Loyola, 5a Ed., 2011. p. 41-60.